Benedita Pinto Gonçalves

Podemos ficar inquietos, confusos ou chocados, mas nunca poderemos dizer-nos indiferentes a esta obra-prima de Martin Scorsese que retrata sem piedade a realidade crua e nua de Nova Iorque nos anos setenta. 

/

Somos guiados numa viagem de táxi pelas ruas corrompidas da metrópole, onde deambulam os fantasmas de quem já foi gente digna ou nunca o chegou a ser. Viagem esta pelos olhos de Travis Bickle (brilhantemente interpretado por Robert De Niro), um mero cidadão que vive num pequeno e inestético apartamento onde passa os dias e noites a ver televisão, escrevendo freneticamente no seu misterioso diário e que, por consequência das suas insónias, se torna taxista nocturno. 

/

Assistimos à rejeição de Bickle por Betsy, uma visão de pureza e idealismo, segura de si num papel activo em plena campanha presidencial e por uma adolescente prostituta que não tenciona ser salva da sua condição fantasmagórica, não obstante as várias tentativas de Bickle que completa a sua missão com um banho sanguíneo num cenário de horror que o coloca num pedestal heróico nas páginas do jornal.

/

É com uma urgência inegável que Martin Scorsese passa para a tela o inferno na terra que é Nova Iorque corrupta, stressante e tensa, numa obra que não trata tanto o realismo mas antes uma constante ponte com o surreal e o imaginário. Um verdadeiro pesadelo que cresce em exponencial ao longo do filme, contextualizado pelo melancólico saxofone em ritmo binário que dá voz à última linha melódica criada por Bernard Herrmann antes de morrer.